quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CULTURA DA NOSSA TERRA


HISTÓRICO DA DANÇA DO CORDÃO DO AFRICANO



Por volta de 1920, o Brasil ainda domina 97% do mercado mundial da borracha.
                Com a extração da borracha, no Alto Solimões, chegam os imigrantes vindos de outros estados, à procura de melhoria de vida. Homens cheios de vontade e coragem para enfrentar o seringal, as febres e os perigos da floresta. Em São Paulo de Olivença, município do Alto Solimões – Amazonas, situado à margem direita do Rio Solimões, terra de pessoas simples e humildes, que tinha como tradição as festividades do mês de junho: São João e São Paulo Padroeiros do lugar.
São Paulo de Olivença, na época, não tinha energia elétrica, suas ruas eram apenas caminhos que eram iluminados pela claridade das porongas.
                A principal economia da cidade, era a extração da madeira e do látex. A agricultura e a pesca era de subsistência.
                O Rio Jandiatuba, afluente do Solimões (maior rio em extensão do Alto Solimões) abrigava um grande contingente de pessoas que vinham trabalhar na extração do látex e da madeira. Dentre elas, havia um homem, Sr. Aquidabam da Silva, antigo morador do bairro Acariazal (hoje, Santa Terezinha) em São Paulo de Olivença, que no período maior da enchente, cumpria a função de madeireiro e seringueiro no Rio Jandiatuba.
Os rios da Amazônia são utilizados como estradas, pois são as únicas vias de acessos aos municípios mais distantes. Era comum, na época, o trânsito de grandes navios cargueiros que ancoravam no meio do rio para aguardarem os ribeirinhos em suas canoas para trocarem produtos industrializados por caça, pesca e outros.
                Alguns dos marinheiros vinham até a comunidade a fim de se enamorarem das moças do lugar.
Numa dessas viagens, desembarcou em São Paulo de Olivença um casal de negros com o objetivo de conhecer a cidade. Sem perceberem, perderam o horário de retorno ao navio e ficaram da grande embarcação sem ter como voltar. Como o único meio de trabalho na região era a extração da madeira e do látex, submeteram-se aos trabalhos sacrificantes no alto Jandiatuba, onde por ocasião conheceram o Sr. Aquidabam da Silva.
Trabalhavam de sol a sol, madeireiros e seringalistas, conforme pedia o ofício. Num certo dia, de folga alguns em suas maqueiras (redes), assistiram entusiasmados a uma estranha dança, com um ritmo contagiante e envolvente. O som da batida já contagiava mesmo sendo improvisada em tonéis secos ou em pedaços de árvores ocas.  
                Em São Paulo de Olivença, residia o Sr. Athanagildo de Carvalho, morador do bairro de São João, dono de casa de forró que conhecia o Sr. Aquidabam da Silva, e o mesmo relatou-lhe a admirável e contagiante “Dança dos Africanos” que conhecera no Rio Jandiatuba. Impressionado com o relato, resolveu fazer uma demonstração da dança em São Paulo de Olivença.
Para isso, foram criados a fim de reproduzirem o mesmo batuque relatado por seu Aquidabam da Silva alguns instrumentos confeccionados pelo mesmo juntamente com alguns moradores da época, aproveitando antigos tonéis de vinho (abarrica), madeiras e bambus. A primeira banda constituída utilizava: o gambá (tambor), a onça (tambor perfurado com uma flecha que reproduzia o som da onça), tamborim, reco-reco, caracaxá, pandeiro, maracá e cuíca.

Sob a coordenação do Sr. Aquidabam da Silva, envolveram-se: Athanagildo de Carvalho, Manoel Aparício, Agripino Lucas, Constantino, Cornélio Fermin, Venâncio Carvalho e Higino Aparício. Formando assim, a primeira geração da Dança do Cordão do Africano. A primeira apresentação do grupo deu-se por volta de 1925, na rua 24 de junho no bairro de São João.
Mais tarde sob a responsabilidade do Sr. Athanagildo de Carvalho, formam-se um novo grupo, constituindo assim a segunda geração, formada por: Paulo Carvalho, Abílio Lucas, Manoel da Silva, Silvério dos Reis, Leonardo Martins, José Reis e Felipe Reis. Com seu ritmo contagiante a dança foi mais aceita pela comunidade, que com o passar dos anos adquiria mais adeptos.

A terceira geração vem na responsabilidade de dois brincantes muito assíduos na época: Sr. Nilo Martins e Anísio Gomes dos Santos que lideravam o grupo formado por: Mário Carvalho, Cristóvão Carvalho, Teodoro Lopes, Felipe Reis, Antônio Carvalho e Silvério dos Reis.
                Para a realização das apresentações o amo do cordão convidava os brincantes em suas casas e marcava os ensaios, para verificar a habilidade de dança de cada um. O chefe pedia aos brincantes responsabilidade e organização, fazendo a seleção dos mesmos para a apresentação.
Nos dias que antecediam as apresentações ouvia-se a batida dos tambores às 12 e às 18 horas onde os mesmos eram testados estando estes esticando os couros sob o sol. Nos ensaios era combinado as datas certas para a próxima apresentação sendo solicitada a permissão da polícia local.

                Essas apresentações aconteciam no mês de Junho e Julho em comemoração aos dias de: Santo Antônio, São João, São Pedro, São Paulo, São Cristóvão, Sant’Ana  e São Marçal.
As apresentações eram feitas nas principais ruas e nos terreiros das casas, onde os moradores convidavam.
Com o desenvolvimento de São Paulo de Olivença e a criação de vários bairros aumentou-se o percurso e as paradas do “Cordão do Africano”, porém, ainda saem de São João com as paradas assim distribuídas: São João – Casa Paterna – Esquina 24 de Junho – Praça do Mirante Solimões – Praça do Arraial e em eventos em que os brincantes são chamados.
Após as apresentações, os donos dos terreiros distribuíam aos brincantes: garapa, aluá, biscoitos, doces, chocolate, biju xica, pé de moleque e mingau de arroz. Não era permitido aos brincantes, bebida alcoólica, somente os da banda consumiam para “dar força”.
                Os trajes para a apresentação eram cuidadosamente preparados:
Cavalheiros: Homem com paletó, gravata, sapato social. Na cabeça uma armação de talo de arumã, coberta com algodão e sobre o algodão carrapicho. Máscara negra feita de tecido preto com lábios carnudos e avermelhados. Levavam nas mãos remo e bengala.
Damas: Vestido de chita rodado, com a máscara negra com lenço branco amarrado na cabeça. Algumas delas representando mulheres grávidas, nas mãos carregavam bonecas, sombrinhas e cestas de arumã.
                Onça: Confeccionado no talo de arumã, coberta com estopilhas com acabamento manual de tinta, trazendo em seu rabo vários espinhos de mara-mara para afastar o público do cordão. Era diferenciado a onça preta da onça pintada.

Macaco: Confeccionado de estopa ou saca de fibra costurado a mão. Carregando sempre um ouriço de castanha aberto que seriam batidos, tentando afastar o público do cordão. Também usavam máscara branca. Hoje, pela dificuldade de se obter a estopilha é muito usado o saco de fibra.
                Curupira: Toda em folhas de bacabeiras para serem mais resistentes, trazendo em sua mão um gancho posicionado contrário para onde anda.  

                Bicho Folharal ou Mãe do Mato: Amarrado de grandes palmeiras que cobriam da cabeça aos pés sem aparecer nada.

Foi na terceira geração que surgiram novos personagens, como:
                Ana Rita - Representando o encanto da floresta, pela condição da natureza em seu poder transformador que traz Ana Rita já transfigurada em “Curupira” mito lendário da região amazônica, grande protetor dos animais e da floresta.
                Marinheiro - Representa a paixão da menina moça pelo viajante.
                Mulatinha - A mucama – aquela que cuida, zela e dedica seus serviços ao patrão.
                Samba lê lê - Representando todas as moléstias do lugar e da época.
                Catirina - Retrata a sinhá sempre apaixonada.
O personagem africano de dois (africano que se veste com outro africano varado à cintura) para muitos representa uma melhor forma de chamar mais atenção, para outros, representa solidão e ao mesmo tempo uma forma de estar acompanhado.
                As músicas cantadas foram compostas pelos brincantes da primeira geração, sendo que os versos na maioria das vezes eram criados na hora das apresentações. Algumas dessas músicas foram registradas e adaptadas, conforme a época.
Desde a primeira geração já prevalecia a batida do tamborim sozinho para conduzir o Cordão do Africano de um terreiro para outro, anunciando a próxima apresentação não permitindo a dispersão até a próxima parada, conduzindo os brincantes e o povo. Era uma formas de convite para o povo e o aviso aos responsáveis local que a dança ia começar, lembrando a batida do tambor dos escravos.
                Os brincantes deviam obediência ao amo do cordão que era reverenciado antes das apresentações.
Aos brincantes era proibido se identificarem. Não tiravam as máscaras e em hipótese alguma poderiam dançar embriagados.
                A Dança do Cordão do Africano é o marco cultural folclórico de São Paulo de Olivença e traz em sua quarta geração, hoje, na responsabilidade de Paulo Nascimento, Aldenor Saraiva, Athanagildo Gomes, Cleiton Gomes dos Santos, Joemilson Nascimento, Amilson Góes, Cláuber Carvalho, Omir Carvalho, Fátimo Lucas Júnior, Alcimar Balieiro, Paulo Carvalho, João Fermin, Eudes Adrião, Cléo dos Santos, Rigoberto Saraiva, Cristóvão Lucas, Flaviano Góes, Paulo Rossi Adrião, Joacir Rodrigues.
Citamos ainda alguns principais brincantes distribuídos entre as gerações:
                Brincantes da 1ª Geração: Moacir Neves, Nestor Aparício, Hilário Pinto, Odite Batalha, Paulo Barbeiro, Manoel Martins, Manoel da Silva, Santos Lucas, Valdemar Aparício, José Braga, Benício, Luís Amorim, Raimundo Martins, Mártiro, Jesuíno e Américo.
Brincantes da 2ª Geração: Nilo Martins, Anísio Gomes, Mário Carvalho, Agnaldo Lucas, Fátimo Lucas, Antônio Carvalho, Raimundo Carvalho, Paulo Barbeiro, Moacir Neves, Santos Lucas, Sebastião Carvalho, “Qualidade”, Sabá Cuieira, Manoel Negreiros, Adésio Balieiro, Pedro Balieiro, Gilmar Záu, Francisco Lucas, Clemente, Anésio Martins, Cristóvão Martins, Martins Lucas, Alcemir de Carvaho, Rosini Coelho, Pedro Balieiro, Francisco Tâmara, Gilberto Batalha e Erculano Carvalho.
Brincantes da 3ª Geração: Agnaldo Lucas, Arizaldo Carvalho, Fátimo Lucas, Antônio Carvalho, Cosme Adrião, Vivaldo Lopes, Raimundo Carvalho, Qualidade, Aluilson Gomes, Maneco, Aldenor Filho, Rosimar Curintima, Sebastião Carvalho, Paulo Carvalho, Gilmar Záu, Aluísio Gomes, Martins Lucas, Adalberto Lúcio, “Thole”, Otílio Ferreira, Elizaldo Peres, Rosini Coelho, Mafaldo Lucas, Francisco Tâmara, Amarildo Araújo, Gilberto Batalha, Janderval Lucas.
Brincantes da 4ª Geração: Lucemir Lucas, Auricélio Amorim, Roney ramos, Assis Seabra , Janderval Lucas, Luís Quirino, Rossiney Ramos, Didi Hilário, Girleno Carvalho, Wilson Adrião, Andrade Cruz, Marcelo Adrião, Autobelle Aparício, Airton Moraes, Aécio Ribeiro, Darleno Ramos, Wilker Reis, Willer Reis, Leomildo Lucas e Neures Martins.

                “Com a Dança do Africano presenciamos como é fértil a criatividade do nosso povo, todos se confraternizam na mesma alegria, compartilhando da mesma empolgação, convivendo na mesma emoção de levar para as ruas o sentimento que apesar de tudo o paulivense sabe se divertir de maneira simples e saudável.
A Dança do Africano vem sobrevivendo a décadas passando de geração a geração. Muitos daqueles que se empenharam em manter a tradição da Dança do Africano, foram desaparecendo. Mas hoje, outros continuam no mesmo ritmo de seus antepassados. É uma afirmação de que a animação de se apresentar esta dança não se acabará”.(Rossini Coelho)
                Todo Paulivense sente no peito, o orgulho de ter como marco cultural “A Dança do Cordão do Africano”.  
Esta dança que contagia a todos com passos místicos e principalmente com o rufar dos tambores, dando prenúncio de grande festividade e animação na comunidade. Não há quem segure a emoção e se contente somente em ouvir o grande ritual. Acaba por ir ao encontro daquela grande euforia.
                Todas as gerações que antecederam a nossa época, cumpriram o seu papel, agora cabe a atual comunidade paulivense zelar com responsabilidade  e organização pela principal cultura do nosso povo, levando em conta que essa dança oriunda ou não de um povo africano, hoje está no sangue do povo paulivense.
São Paulo de Olivença-Am, 14 de Agosto de 2007.
NB. Este histórico foi reconhecido no Serviço Notarial da Comarca de São Paulo de Olivença no dia 16 de Agosto de 2007.
Registrado sob o Número de Ordem 441, no Livro de Protocolo A nº 01, e registrado sob o número 654 do Livro B – 09, no Cartório de Registro Especial de Títulos e Documentos.
Redatores:
Florisbela da Silva Cardoso         
Cristiane Gouvêa dos Reis         
Revisores:
Karla Patrícia Barros de Azevedo
Paulo Batalha                                  




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